quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Marcar para lembrar.


Há algum tempo que quero fazer uma tatuagem. Quero tatuar um pássaro, uma fita cor de rosa e uma estrela. Ou só um pássaro e uma fita cor de rosa.
Um pássaro por mim, que vejo nos pássaros a determinaçao. Os pássaros voam para procurar clima melhor, comida, fugir dos perigos. Os pássaros saem do ninho. Ou melhor, os pássaros caem do ninho. Sabem que estao em queda livre, a gravidade está contra si. Mas no último segundo, mesmo antes de baterem no chao a magia acontece, as asas abrem e batem! Voam. Voam e salvam a vida! Há pássaros que chegam a bater no chao, mas saltinho a saltinho acabam por voar. Há pássaros que batem no chao e nao se levantam mais, morrem.
As pessoas sao como os pássaros. As pessoas, ao longo da vida, arriscam e saltam da zona de conforto, do ninho. Podem ir em queda livre, mas a vida acontece e no último segundo a magia acontece e a vida resolve-se. As pessoas saem da zona de conforto, batem no chao. Magoam-se, mas vao se levantando e conseguem voar, resolver a vida. As pessoas também batem no chao e ficam la. Imóveis, mortas. Inertes. A vida resolve ser madrasta e corta as asas. Mas a vida continua.

Uma fita cor de rosa pela minha mae. Que bravamente batalhou contra um cancro que levou a melhor. O cancro, esse sacana sem lei que ceifa as vidas sem dó. Uma fita por ela. Uma fita para marcar na pele a lembrança que nunca sairá do coraçao. Uma fita para que as memorias nunca se apaguem, como o som da sua voz que teima em apagar-se. Consigo ve-la, consigo lembrar-me de todas as imagens, mas o som da sua voz está a fugir-me. Talvez por ser miúda quando o cancro, esse sacana sem lei, me levou uma peça fundamental da vida, sem dó nem piedade. Sem me deixar ter tempo para fixar, cravar em todos os poros da minha pele o som da sua voz. O som que agora, anos depois, começa a desvanecer apesar de todos os meus esforços.

Um pássaro e um fita. Voar sempre, lutar sempre, lembrar sempre. Cair e levantar sempre. Até que a vida aconteça e nos corte as asas.

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